domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre Vocação


Loucura ou felicidade?

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
  

O pássaro prisioneiro na gaiola e o pássaro livre da mata se amavam.
– Meu amor, vamos fugir para a floresta! – dizia o pássaro livre.
– Vem aqui, vamos viver juntos na gaiola! – respondia o pássaro prisioneiro.
– No teu espaço fechado não tem como abrir as asas – queixava-se o primeiro.
– Nos teus céus abertos não tem lugar para descansar – retrucava o outro.
 O pássaro livre implorava: - Vou cantar-te os cantos das arvores e dos ventos.
 Resignado o pássaro prisioneiro suspirava e dizia: - Infelizmente os cantos da floresta não podem ser ensinados, mas, se tu ficares aqui, posso ensinar-te a linguagem dos estudiosos.
 Mas o pássaro livre não estava interessado na linguagem dos estudiosos e nem o pássaro prisioneiro podia entender os cantos da floresta. Ficaram assim, um bom tempo, tristes e calados, olhando-se um para o outro pela última vez, até que o pássaro livre tomou para sempre o caminho da mata.
Esse diálogo entre os dois pássaro nasceu de uma idéia do poeta Tagore. Pode nos ajudar a entender o que acontece com a nossa vida e, espero, um pouco também o evangelho deste domingo, no qual ficamos sabendo sobre o chamado dos primeiros apóstolos. Por exemplo, o ambiente familiar onde fomos criados e, portanto, passamos bastantes anos da nossa vida marca, para sempre, a nossa existência. Fica-nos difícil perder certos costumes e, se depois conhecemos outros, acabamos estranhando-os como se fossem esquisitos e até engraçados. Podemos chamar isso de educação, de cultura, mas o resultado é o mesmo: pr ecisamos fazer um pequeno, ou grande, esforço mental para aceitar formas diferentes de viver.
Algo semelhante acontece com as vocações. Acabamos nos identificando com a nossa “profissão” ou situação de vida. Tudo, ou quase, é condicionado por ela: horários, vida familiar, linguagem, amizades, gostos. Quem não pertence ao ambiente não entende as gírias, as piadas, as referências às pessoas e aos fatos. O que é comum e corriqueiro para quem é do ambiente fica estranho para quem vem de fora. Em todo caso, não é tão simples entender o jeito dos outros quando mudamos de lugar, de cidade, de país.
O que pensar daqueles primeiros pescadores que Jesus chamou a deixar os barcos, as famílias, a beira do lago, os seus próprios projetos de vida, para tornarem-se “pescadores de homens”? Ficaram mais livres ou entraram na pior prisão – como muitos ainda pensam? Evidentemente cada um pode pensar o que achar melhor, mas é bom  lembrar que talvez esteja julgando a partir do seu próprio ambiente, da sua cultura e, porque não, da sua maneira de viver – ou não viver - a fé. Muitas vezes pretendemos julgar o que não conhecemos e nunca experimentamos.
Cada vez mais percebo que quando um jovem decide-se para a vida religiosa, sacerdotal ou missionária, é visto pelos outros como alguém diferente. Alguns chegam a perguntar-se se é “normal”, se bate bem da cabeça ou se está exagerando. Não seria suficiente um pouco mais de compromisso com a Igreja? Por que deixar tudo?  Por que Jesus parece ser tão exigente?
Difícil responder e mais ainda convencer quem não acredita ser possível ouvir, ainda hoje, a voz do Senhor que chama. Também há quem pense que confiar na Igreja seja arriscar demais e que é inevitável se arrepender mais tarde. 
Faz parte, porém, do ser humano enfrentar desafios e tentar seguir um chamado. Todos, um dia, ouvimos um canto que nos fascinou. Somente nós o ouvíamos e sabíamos aonde iria nos conduzir. Muitos tentaram nos desencorajar, apresentando dificuldades e obstáculos, mas fomos em frente e, para muitos, aquela foi a escolha que deu sentido e alegria à sua vida. Trilhamos diferentes caminhos. Alguns mais ousados, outros mais prudentes. Todos em busca da felicidade.
Muitas vezes o que parece prisão para um, é liberdade para o outro e vice-versa. O que vale é seguir o canto que atrai, a palavra que convence, o sonho que inquieta.
Para os primeiros apóstolos foi decisivo o chamado de Jesus. Por sua causa quase todos entregaram as suas vidas até a morte. Foi prisão ou liberdade? Engano ou amor? Loucura ou felicidade? Cada um responda como puder.

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